Eu queria ficar fora dessa, mas não aguento mais. Eu queria ficar à
margem desses fatos reluzentes, até porque ainda estou vivendo a ressaca de
urnas injustas, mas não consigo.E o mais dramático: sinto náuseas
de certos acontecimentos que parecem alimentar o instinto de vingança e
compensar os recalques, as derrotas e as frustrações de subprodutos do regime de
exceção, cujas negociatas e o entreguismo eram blindados pela censura e o terror
do Estado arbitrário, em que vivemos acuados durante 20 anos.
Não vejo esses
acontecimentos como as presas manipuladas de um sistema calcado nos interesses
espúrios. Não vejo só o que querem que eu veja, porque padeci por longo tempo
nos cárceres da ditadura - e não há escola melhor para entender os subterfúgios,
as entrelinhas, o subtexto, as segundas e terceiras intenções.
Muitos dos que
me respeitam e a quem respeito estão embarcando inocentemente no coro estridente
de um processo inquisitorial, como se estivéssemos de repente diante de uma
novidade, como se antes maltas muito mais ousadas não tivessem dilapidado nossa
soberania, não tivessem comprado parlamentares para mudar a Constituição, não
tivessem se envolvido em desonrosas negociatas, como a compra da Light quando
sua concessão estava expirando (obra indefensável do regime dos generais), ou
nas privatizações ulteriores, em que a riquíssima Vale do Rio Doce foi entregue
a preço de banana (obra insustentável dos civis neoliberais).
Não
lamento a eventual punição de delitos mais recentes, mas tenho o direito de
reclamar um inventário da corrupção ao longo de anos, do conhecimento de todos,
mas metalicamente blindada como forma de alcançar apenas quem, certo ou errado,
está pagando muito mais pelo que fez de bom, de admirável, do que pelo que fez
de ruim.
É patético ler que alguns militares se assanharam e
resolveram peitar a hierarquia só para procurarem se identificar com a figura
que se notabiliza num processo que agride o direito na medida em que é a
primeira e última instância, sobre o qual não cabe recurso, situação
muito semelhante a do reino dos atos institucionais que a ditadura perversa
alimentou com a cumplicidade torpe de meio mundo, esse mesmo meio mundo que se
vale agora do regime de total liberdade, pelo qual nos sacrificamos ante a
covardia e a ajuda desses mesmos referidos.
Eu não tenho nada com nenhum
desses bodes expiatórios que estão sendo construídos para facilitar o
engessamento do processo decisório, para acuar os consagrados pela vontade
soberana do povo: não tenho mesmo.
Mas também não sou míope para engrossar a
manipulação deliberada, que alcança a alma limpa de alguns desavisados pelo
expediente da hipocrisia, sob a batuta de quem jamais se levantou contra as
farras de uma corrupção endêmica, razão de muitas fortunas sovadas como mitos de
sucesso e exemplos a seguir.
Todo esse espetáculo montado desde agosto no
cenário de um poder por si encharcado de mal feitos tem desígnios muito mais
solertes do que revela a primeira leitura, ultrapassando capciosamente seu
escopo aparente e indo de encontro a projetos demoníacos e ambiciosos na direção
do mais pérfido retrocesso.
Não tenho dúvida em dizer que esse é um
julgamento político faccioso, que só teria legitimidade se alcançasse por igual
a todos os infratores, desde as priscas eras dos porões da exceção até os
hodiernos golpes que forjaram "caçadores de marajás" para desfocar o sentimento
crítico de um povo que tendia já então a um caminho progressista trilhado nos
passos corajosos de um intimorato.
Entendam-me como quiserem, mas também
considerem que não sou da panela, nem bafejo os manda-chuvas de hoje. Tudo o que
quero é abrir os seus olhos e os olhos cansados de milhões de brasileiros,
metade dos quais não viveu a barbárie da usurpação, não padeceu sob a mais longa
das noites.
Que se faça justiça, sim. Mas que em seu nome não se consagre uma
farsa peçonhenta de efeitos danosos para um processo que não pode dar marcha à
ré, nem ser de constrangimento ao progresso e à transformação que o Brasil
merece.
4 comentários:
CALARAM A TRIBUNA, JAMAIS CALARÃO SEUS LEITORES. HELO FERNANDES AINDA ESTA VIVO. E VOCE PEDRO NOS INFORMA DE TODAS AS VERDADES. OBRIGADO HELIO, OBRIGADO PORFIRIO. REGATTIERI
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